A Júlia é uma aluna querida, singular, do tipo que quando falta à aula, a sala parece vazia e triste. Tem um atrevimento que incomodaria os professores mais conservadores, que existem aos montes por aí nas escolas católicas da cidade, mas que me encanta porque não se assemelha à arrogância, mas à sabedoria e à vontade de dizer o que sente e pensa. Ela não faz coro com esses menininhos ricos que tratam os professores como empregadinhos e cutucam o celular a aula inteira. Chicobuarqueana – ou seja, um diamante no decadente reinado de Gusttavo Lima – sabe ouvir e transformar essa escuta em aprendizado, sabe falar e questionar velhos e mofados argumentos. E, claro, sabe escrever.
Publico esta redação – nota máxima na prova da Cesgranrio – porque é ousada e se contrapõe à cartilha comum dos professores (medíocres) de cursinho, cheia de privações e mitos. Eu sou conhecida justamente por detestar essa cartilha e por ensinar como usar as diversas possibilidades formais para que se alcance um texto consistente. Sinto horror a esse discurso comum de que não se pode usar metáforas ou metonímias…blá blá blá…
A terceira margem do rio
Júlia Lima
Deixei a terapia e uma pergunta feita pelo meu psiquiatra não me saiu da cabeça durante a longa volta para casa: o que eu poderia fazer para realizar meu ideal?
Sou filha do capitalismo e da globalização. Moro no Brasil, tenho amigos no Japão e as reuniões do escritório são em francês. Tenho o carro novo na garagem, a tecnologia do momento na bolsa, as melhores grifes no closet e sempre quero comprar aquilo que ainda não foi inventado.
Sou Dorian Gray. Quero beleza e juventude eternas e, para tanto, vendi a minha alma e me associei a uma clínica de estética. Sou perfeita por fora, mas tranquei no sótão escuro e úmido, debaixo de panos velhos, o retrato que esconde todos os meus pecados, minhas fraquezas e minhas misérias. Eu sou a casca perfeita.
Sou a personagem de George Orwell. Sinto-me vigiada todos os dias, o dia todo. Não importa para onde eu vá, ou o que faça, o Grande Irmão está lá, sempre olhando para mim.
Vivo em um tempo no qual as distâncias não existem, em que ter tudo ainda é pouco e onde a beleza e o dinheiro ditam os modos de vida e as regras da sociedade. No meu mundo, as pessoas não mais se tocam, não mais se importam e os sonhos são vendidos em prateleiras de supermercados. Não me encontro e não me encaixo em lugar nenhum, a pergunta é: o que eu posso fazer para realizar meu ideal, se eu sequer sei o que isso significa?
Farei, portanto, como o personagem de Guimarães Rosa: vou continuar aqui, vivendo desse jeito, nesse mesmo mundo, e, quando já estiver velha e cansada de tudo e todos, vou construir uma canoa e me mudar para a terceira margem do rio em busca de um lugar só meu. Em busca apenas de um pouco de paz.