Marcelo Tas.
Seu gesto no CQC da última segunda-feira me tocou profundamente. Acredito que tenha sido mais significativo do que você possa supor ou imaginar. É como se você tivesse abraçado a todos nós e, com o perdão da pieguice, nos abençoado. É como se nos tivesse permitido a chance de ter um pai, acolhedor e terno.
O histórico de muitos de nós não é brando:
ausência e abandono;
desafeto e abuso;
agressões físicas e verbais;
ameaças e perseguições…
Até os psicólogos mais picaretas já sabem que a comunidade inteira se sente ferida quando um gay é atingido. É mesmo assim, não sei bem o porquê, mas há um efeito metonímico, que é, muitas vezes, devastador. Afinal, os números de assassinatos, espancamentos e humilhações são alarmantes, e nos atingem cotidianamente.
Por isso, agradeço sua coragem. Saiba que ela nos amalgamou.
Abraço
Yara.
*Trecho da carta de uma aluna.
Belo Horizonte, 07 de abril de 2011.
Lygia,
hora zero. plural. enxame de copos vazios sobre o balcão. eles não voam. nem eu. mas é possível ouvir seus restos. açúcar velho, asas quebradas. de abrir o livro, um risco. alimento que te escapa. de penetrar a lâmina da vida em compota, uma dor. sem sangue. tão escondida, tão silêncio, que ‘tá na cara. a cicuta da palavra vida. abre. ave. eles não sabem. não há tempo. eles sabem muito pouco. sabem-se muito pouco. eles quem? nós. que nos fizemos assim. numerais. uma traça. daqui a pouco o dia.
aspereza. duas da madrugada. toma essa canção dentro da caixa. três comprimidos, meu cigarro. toda essa espuma. toma essa palavra que é queixa. esfrega no seu corpo. feito música.
quase luz. centro da sala. cd guarda muito. guarda veludo. era digital. uma conspiração dentro da nota.
seus olhos – verbete musicoespiral – me olham pela ótica da página em branco. que me vigia a quantidade de café, o desenho dos faróis. avisam aquela voz entre flor de pêssego e cal. uma cosmogonia dilacerante. sargaço e sertão. rosa e urucum.
hoje eu queria ser Matisse e pintar esse azul. que sangra. não. talvez o grito, eu pintaria o grito. a mulher sem braço a rua sem fim, a esquina e seu cheiro de urina velha. eu queria ser a lua, não a lua parnaso, de luz fria, uma lua quente erotizada. carne branca e suas manchas. seus vincos e fendas. uma ardência por dentro da altura, da alvura descarnada.
e sombra.
agora sete. eles, avisos luminosos. que se apagam com a manhã. extratos-telefonemas-britadeiras. explosão com hora marcada no motel. %%%%%%%%% %%%%%%%%%%%%%%%%&&$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$0000000000000000000000000000000000000000000000000000000@@@@@@@@@@@@$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$
vai triste canção
eu nem nada. outras tantas crianças mortas na Cisjordânia. torturas pautadas no D(eus) branco ocidental. valium craque chip. patologia autenticada. patente no Japão.
poeira-rastro na faixa dos lps. vide agulha velha. cds à mancheia. i-pod, mp4… tecnologia de releituras saturadas. muito acorde açúcar blasé. pose-mix, vídeo clip.
mas eu comecei querendo ser Matisse… por que não grudar na tela do dia esse azul escandalizado? eles não eles não enxergam azul, não não eu não ´tô falando de azul fazer-um-churrasquinho, eu falo desse escândalo guardado na tela, olhos de Matisse