Vamos?
Penetrar até o âmago de cada código e desprogramar bulas e
posologias prévias
Usar em mão dupla o arco que une caos e cosmos.
Pescar em águas límpidas.
Pescar em águas turvas.
(Waly)
palavra açucena, nêspera, manhã:
Fabiana Cozza!
movimento que se alastra entre o que há de azul e lilás
no corpo da voz
e tudo o que dela emana:
força estranheza pulsação
uma sabedoria dos velhos e velas
que alumiaram nossos caminhos e nossas horas tristes
que guardaram um pouco do que somos
séculos afora
– estalam chibatas ecoam tambores –
vórtice e vertex
o eixo
entre a voragem dos sentidos,
água sal-e-doce sereia e vendaval
fraseado que baila, vibra, ouro e prata,
filha de Oxum e de todas as Aiabás
numa pletora das águas
– intensa-vibrante –
vicejando tambores e benção ancestrais.
http://www.myspace.com/fabianacozza
amanhã dezessete de setembro. você faz trinta e cinco anos. mas sei que ainda se lembra de quando foi ouvir o lp de Adriana Calcanhoto lá em casa… era mesmo um grande barato ouvirmos juntas A fábrica do poema e atravessarmos tardes inteiras tecendo segredos e suspiros inconfessos. insuspeitáveis? claro que não. todos sabiam dos nossos olhos pulando zíperes e constelações despedaçadas, dos nossos corpos colados no abraço de meia hora respirando nuvens e cataclismas. eu vivia sempre febril aos domingos. inventava motivos pra chegar domingo e ele se demorava preguiçoso entre os dias apressados de pagar as contas e fazer a feira e colocar ordem na casa. quando chegava, se esparramava na rede a nos balançar trechos inteiros de Waly e Augusto de Campos. lia muito a Duras na época, e sentia extrema vergonha de tudo, até do cheiro bom de avelã molhada, cravo da Índia e guimba pelos cinzeiros. tudo inexistia de repente para você passar…entre êxtase e romantismo bêbado…sua voz de arrancar o couro e fazer as moças suarem por debaixo das saias. sua voz entre flor de pêssego e cal. uma cosmogonia dilacerante. sargaço e sertão. rosa e urucum. desalinhando, trazendo fúria aos homens de bem, desconsertando. muito papai com dor de cabeça. e veras lúcias e lias… alamandas ultrapassando os limites da jardineira, numa rua triste, num bairro qualquer da cidade de Belo Horizonte.
papos intensos, e uns aguados de malva…quantas noites viradas? dentro; do avesso; às gargalhadas; taciturnas quietas ensimesmadas?… Augusto de Lima, Bahia afora… um rapaz ajeitou o peitinho falso antes do número, sorriu feito Marilyn, ele-ela lindo, lindos assim num só… na parada de dois mil e dois um senhor sorridente, batom-glitter, me tascou um beijo na boca, entre uma cerveja e outra uma Cinderela negra, 1metro e oitenta e seis de altura, ajeitou meu cachecol azul-e-verde, sem descer do salto, e arriscou uns passos de tango. beijo livre-purpurina em plena Praça Sete, duas da tarde… as fofoqueiras de sempre do conjunto Cristina, a cochichar a vida dos outros, a coragem dos outros, a alegria dos outros, seguiram o poeta Jairo Rodrigues – meio Clara Nunes meio Caju – avenida Afonso Pena afora. braços abertos e sorriso escancarado. ele é o cara mais autêntico e sensual que eu conheço. no quintal de sua casa, vem, eu vou pousar a mão no seu quadril, susto e delícia… fita o céu, roda…
muita cachaça e poesia. caramelos e rapazes à mancheia.
e nós.
lentes caducas enferrujaram o olhar. quem mesmo consegue ver essas duas meninas, filhas de Iansã e Iemanjá? quem enxerga esse azul?
compromissos e namoradas mornas apenas adiaram novos vendavais.
olho d’água pedra mórula ferida
aguarrás adentro
não, não se preocupe com o que é dito; o eu é ficcional, como não seria? por que explico o óbvio? eu não existo, apenas o eu aqui. e só porque a tarde entre edifícios traduz minha melancolia que pulsa. pulsa. hoje ouvi Cole Porter por longas horas e entendi a obsessiva condição humano-melódica de Night and Day…travessia que modula. um olho cego fixo no instante, o outro que vê. amanhã você faz trinta e cinco anos. e a trilha é So in Love, com Caetano. sempre Caê. por quê? alguns perguntam. porque ele ilumina a sala no filme de Julio Bressane. porque ele escolheu o nome Maria Bethânia. porque ele irrita e incomoda a mediocridade quadrada da imprensa. porque ele é NeideCandolinatotal. porque ele é doce quando áspero, é tropicalista quando a juventude era de um esquerdismo radical e tolo. porque não se apóia em nacionalismos chatos e previsíveis. porque compôs entre tantas outras Vaca Profana e O Quereres. porque Transa e Circuladô de Fulô. porque lê Clarice, ouve João. porque é contraditório e exato, prolixo e preciso. porque ele é ela, é outra sem rótulos. porque é esse cara, e ama Chico Buarque. porque canta lindamente Cais. porque cantou Cazuza e fez o Brasil ouvi-lo de outro modo, porque fez Escândalo pra Rô Rô e Gatas Extraordinárias pra Cássia. é um grande leitor. é filho de dona Canô, é de Santo Amaro e fez David Byrne tremer as pernas no Carnegie Hall. porque é pai de Moreno, e ri um riso grande enorme sincero no rosto magro sempre no último acorde. porque toca mal o violão e faz disso um estilo, um diálogo, uma marca. porque o coração é vagabundo, porque um monge tibetano ouve a canção pela manhã. porque eu não espero pelo dia em que todos os homens concordem, apenas sei de diversas harmonias bonitas, possíveis, sem juízo final.
porque você é que é o ioiô de iaiá…
Acho que Baudelaire dizia-se “um homem sem profissão”. Sinto-me orbitando ao redor do que ele dissera.
O percurso díspar de minhas incursões escolares (Direito, Letras, Psicologia, Gerontologia, Contabilidade, Magistério e Eletrônica) informa um pouco sobre mim.
Profissionalmente, a sala de aula, o consultório, o escritório, a instituição bancária, a fala do palco e o Órgão Público de Cultura também depõem a meu respeito.
São muitos vieses. Daí minha confusão diletante.
Irresponsavelmente apaixonado pela palavra (escrita e emitida). Código e substância. Mínimo e exuberância. João Gilberto e Maria Bethânia. João Cabral e Waly Salomão. Caetano Veloso. A contenção e a desmesura.
Não é lindo que:
Referências tantas num corpo de subjetividade real e dialética já que eu não sou de ferro.
Palavra que cumpra a função de comover, desorientar, deixar perplexo, deixar em riste.
É a partir do que eu dissera que encontra-se o que escrevo.
Por Robson Santos