Senhora das Tempestades
(Manuel Alegre)
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Senhora das tempestades e dos mistérios originais
Quando tu chegas, a terra treme do lado esquerdo
Trazes a assombração
As conjunções fatais
E as vozes negras da noite
Senhora do meu espanto e do meu medo
Senhora das marés vivas e das praias batidas pelo vento
Senhora do vento norte com teu manto de sal e espuma
Há uma lua do avesso quando chegas
Há um poema escrito em página nenhuma
Quando caminhas sobre as águas
Senhora dos sete mares
Conjugação de fogo e luz
E no entanto eclipse
Trazes a linha magnética da minha vida
Senhora da minha morte
Quando tu chegas, começa a música
Senhora dos cabelos de alga
Onde se escondem as divindades
Trazes o mar, a chuva, as procelas
Batem as sílabas da noite
Batem os sons, os signos, os sinais
E és tu a voz que dita
Trazes a festa e a despedida
Senhora dos instantes com tua rosa dos ventos
E teu cruzeiro do sul
Senhora dos navegantes
Com teu astrolábvio e tua errância
Tudo em ti é partida
Tudo em ti é distância
Tudo em ti é retorno
Senhora do vento
Com teu cavalo cor de acaso
Teu chicote, tua ternura
Sobre a tristeza e a agonia
Galopas no meu sangue com teu cateter chamado Pégaso
Senhora dos teoremas e dos relâmpagos marinhos
Senhora das tempestades e dos líquidos caminhos
Quando tu chegas, dançam as divindades
E tudo é uma alquimia
Tudo em ti é milagre
Senhora da Energia.
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No cd Diamante Verdadeiro, Maria Bethânia declama o poema e dançam as divindades.
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Ai, Xangô, Xangô menino
Da fogueira de São João
Quero ser sempre o menino, Xangô
Da fogueira de São João.
Céu de estrela sem destino
De beleza sem razão
Tome conta do destino, Xangô
Da beleza e da razão
Viva São João
Viva o milho verde
Viva São João
Viva o brilho verde
Viva São João
Das matas de Oxóssi
Viva São João!
Caetano Veloso
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O sobrado de mamãe é debaixo d’água
O sobrado de mamãe é debaixo d’água
Debaixo d’água por cima da areia
Tem ouro, tem prata
Tem diamante que nos ‘alumeia’.
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Canção de Navegar
Gilberto Mauro/Janaína Assis/Renata Cabral
como um farol, céu de anunciar azul
tantos tons de navegar
fora do cais
[vertigem voragem labirinto estelar]*
bebo a tarde solta
verde-azul aberto
brisa leva a vela
ah!
canção de mar, lira leve a desvelar
singra em direção ao sol
casa de sal
verte espuma branca
verde-azul aberto
bruma a se desmanchar
canção de sal, céu de anunciar azul
tantos sons de navegar
lira do cais
[vertigem voragem labirinto estelar]*
bebo a tarde solta
bebo a tarde solta
verde vento vela
ah!
[tem uma canção de mar e de dançar depois da chuva]*
*contra-canto
O mar é só mar, desprovido de apegos,
matando-se e recuperando-se,
correndo como um touro azul por sua própria sombra,
e arremetendo com bravura contra ninguém,
e sendo depois a pura sombra de si mesmo,
por si mesmo vencido. É o seu grande exercício.
Cecília Meireles