julho 30, 2010

Faça-se do tempo livre alegoria para a mão que escreve. Todo o tempo é livre. Desobediente. Imperativo. Uma palavra de pedra sobre a mão, um pensamento obsessivo atravessando tudo…

[tudo arquitetura rochosa, tudo medo do ciúme.

Uma palavra dura de concreto armado, filha de uma pessoa tesa quer muito: quer brincar fora da página, multiplicar-se, dividir-se. Mas um olho rígido que assiste ao verbo já pronto no papel retifica à beça, obscurece o quanto pode para, na verdade, dar pistas claras de sua dor.

Frases sem artigos, repetição silábica sonora, recursos dos sentidos da rima: não sei fazer nada assim, embora o quisesse todo o dia toda noite toda hora toda madrugada momento manhã. Seria uma chuva de liberdade rosa-cabralina. Liberdade e rigor.

Por isso tardo a escrever. Por esse fosso laminado de impossibilidades. Pela esquisitice do meu pensamento: com muito adorno não serve, com muito cientificismo não presta.

Mas, metido à besta, de vez em quando ensaio. Ensaiar eu posso.

Robson, texto de 16/04/2003


julho 26, 2010

Sou um sujeito cheio de recantos.

Os desvãos me constam.

Tem hora leio avencas.

Tem hora, Proust.

Ouço aves e beethovens.

Gosto de Bola-Sete e Charles Chaplin.

O dia vai morrer aberto em mim.

Manoel De Barros

No que sonho ou cavo

no que me falha ou cinde

existe um brilho

que não alcanço.

Ainda.

Neide Archanjo


julho 25, 2010

(…) dançamos com uma graça cujo segredo
Nem eu mesmo sei
Entre a delícia e a desgraça
Entre o monstruoso e o sublime(…)

Trecho de Americanos, de Caetano Veloso



julho 11, 2010

um nenhum

a cidade permanece vazia

cheia de gente vazia cheia

de afazeres


a menina de plástico assobia uma canção que agora existe

[escape do skype


a menina de plástico existe

ela é real ela consome

e tem dois olhos e um traseiro de parar o trânsito

e um vestido e uma rusga e um quarteirão inteiro para caminhar


na rua Erê sou menos sozinho

meu nome é nave

e eu sou triste e comum

mas não único

todo mundo é substituível, me disseram

todo mundo no supermercado às três da tarde


e mais um motoqueiro estirado no chão

quem não acredita?

a cena é clichê, não há saída

homens normais nem olham mais

é mais um motoqueiro

um nenhum

não há saída

homens normais caminham em linha reta

eles têm meta

e, convenhamos, três da tarde não é hora de ninguém morrer.


julho 5, 2010

Não colocarei as incoerências nas gavetas.

A vida é curta demais para ter sentido.

Fabrício Carpinejar


[…]

As coisas há muito já foram vividas:

Há no ar espaços extintos

A forma gravada em vazio

Das vozes e dos gestos que outrora aqui estavam.

E as minhas mãos não podem prender nada.

Sophia de Mello Breyner Andresen


O Deus de que vos falo

Não é um Deus de afagos.

É mudo. Está só. E sabe

Da grandeza do homem

(Da vileza também)

E no tempo contempla

O ser que assim se fez.

[…].

Hilda Hilst