julho 2, 2014

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O desenho dos contrastes marca o longa Alabama Monroe, direção de Felix Groeningen, Holanda 2012. Sejam eles entre a pele de Elise (Veerle Baetens) e a de Didier (Johan Heldenbergh), entre a delicadeza e a brutalidade, entre a esperança e a morte, entre a racionalidade e a espiritualidade, entre os enganos e os sinais… o curioso é que pequenas e singelas misturas acontecem, espaços que parecem, em uma primeira leitura, tão apartados se invadem… Um exemplo? A cena em que o pai explica para a filha Maybelle (Nell Cattrysse) como as estrelas se apagam… as metáforas são científicas mas poéticas, mesclam-se à sensação da garota de que viraria uma estrela, como os pássaros e as borboletas… a doçura da paternidade invade a dureza do homem que não crê, que enxerga a possibilidade crua e abissal da finitude daquela criança…

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A (im)possibilidade de compartilhar a perda matiza o filme. A dor de um arranha a do outro, roxa, sépia, particular… semelhante e distinta, diferente e igualmente brutal… oxímoro tatuado no corpo, desencanto… Ele descrê, ela precisa acreditar, reivindica esse direito.

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Fala de Didier sobre o lobby de religiosos nos Estados Unidos e o veto de Bush a pesquisas com células-tronco:

“Por princípios religiosos… Esses cretinos estão pondo o pé no freio há anos. Quem deu a ele o direito de fazer isso? Quem? Eles se dizem a favor da vida. A tecnologia para matar não tem limites, mas a tecnologia para curar é outra coisa porque embriões são gerados fora do casamento… embriões do tamanho de uma cabeça de alfinete. Hipócrita cretino! Em favor da vida? Cretino! Bando de fundamentalistas radicais!”

Em um show da sua banda de bluegrass, depois de uma leve e delicada canção, ele vocifera:

“Vocês sabem do que eu tenho pena? Dos cientistas, que desde Darwim, vêm estudando a biologia, que tentam explicar esse mundo maravilhoso, descrevê-lo, estudá-lo, que passam a vida fazendo isso nas condições mais críticas e que agora ficam sabendo que existem loucos que duvidam da Teoria da Evolução. Porque foi Jeová. Jeová criou tudo isso em seis dias, não em 4,5 bilhões de anos. Dá vontade de vomitar. Bando de imbecis. Vou dizer uma coisa, Jeová, o Deus do Velho Testamento, para o qual 80% do mundo se ajoelha, é o personagem mais cruel da literatura. Vão verificar na Bíblia. Leiam com atenção. Jeová é manipulador, é sádico, é um assassino, é racista, é misógino, é homofóbico, é um bitolado, vaidoso, que faz limpeza étnica. Que exige sacrifício de crianças, que faz joguinhos sádicos para testar a fé das pessoas. Um ditador, que, ao que parece, criou o céu, a terra, a raça humana de propósito para que se ajoelhasse humildemente diante dele e o louvasse respeitosamente (…) Não aceito ordens de um Deus assim (…) Nós criamos Deus porque tínhamos medo. Por medo, por ignorância. (…) A minha filha Maybelle, a minha filhinha morreu porque alguns experimentos são considerados antiéticos pela comunidade religiosa. Mas isso é só um detalhe. Milhões de pessoas morrem todos os anos porque esse cretino que chamam de Papa diz que não se pode usar preservativo no sexo. É só um detalhe, historicamente falando, mas não para mim. Não para mim.”

Elise, já Alabama:

“ Se eu quiser acreditar que Maybelle é uma estrela, vou acreditar. Se eu quiser acreditar que ela é um passarinho que pousa na janela ou uma borboleta que pousa no meu ombro (…) Eu sabia. Na verdade, sempre soube. Era maravilhoso demais para ser verdade. Não poderia durar. A vida não é assim, não é generosa. Ninguém deveria amar e se apegar. A vida se ressente disso. Ela tira tudo e ri da sua cara. Ela trai você”

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