Sempre que posso, dou um pulo no blog do Sakamoto, que é um cara brilhante e tem um jeito de escrever direto e simples. Sei o quanto é difícil atingir essa simplicidade com consistência. Não resisti e (re)publico este texto sobre a classe média, a mesma, que, com seus carros prateados, em váaaaaarias prestações, “desconhece” sinal de pedestre, seta, preferência, vaga para cadeirantes…e adora uma buzina!

Classe média sofre: o que te irrita de verdade?

Leonardo Sakamoto

Não me irrito com o fato de uma mulher ganhar menos que um homem exercendo a mesma função, com a mesma competência, na mesma empresa; Nem com o atropelamento de ciclistas e pedestres por conta da ignorância coletiva de uma cidade motorizada; Nem com o surgimento imediato de centenas de sem-teto após desocupações patrocinadas pela especulação imobiliária; Nem com ruralistas que tentam aprovar leis que promovem terra arrasada nas florestas do país; Nem com quem prega que índio é tudo bêbado e indolente, feito os “primos” deles, os bolivianos, que vêm emporcalhar a cidade; Nem com quem defende a justificativa de crimes passionais para atenuar um homicídio; Nem com pretensos deputados patriotas que acham que estão defendendo a nação ao passar a régua sobre direitos dos trabalhadores, rifando a qualidade de vida das futuras gerações; Nem com aquela gente fina que sobe o vidro do carro ao ver um negro pobre no cruzamento; Nem com amebas que acham que simplesmente tocar em uma pessoa com HIV positivo mata; Nem com juízes que concedem autorizações para que crianças com menos de dez anos trabalhem e defenestrem sua infância; Nem com autointitulados representantes do divino que adorariam ver mulheres que abortaram ardendo, não no inferno, mas por aqui mesmo; Nem com quem pensa que sonegar nada mais é do que fazer justiça fiscal com as próprias mãos; Nem com homens da lei que fazem bico de jagunços e tocam o terror, adubando o chão da Amazônia e da periferia de São Paulo com sangue; Nem com idiotas que espancam gays nas ruas porque não conseguem conviver com a diferença; Nem com pais e mães que acham que trabalho infantil enobrece o caráter; Nem com militares da reserva que ficam tomando chá da tarde com bolinhos de chuva, falando mal da democracia e arrotando tortura; Nem com o trabalho escravo e quem diz que ele não existe por lucrar com ele; Nem com filhinhos-de-papai que queimam índios, matam mendigos e estupram meninas por aí, pois sabem que ficam impunes; Nem com aquele pessoal funesto que prefere ver uma pessoa urrando de dor em uma cama de hospital ou sedada de morfina 24/7 do que lhe conceder o direito de finalizar a própria vida; Nem com empresários de sorriso amarelo que, na frente das câmeras, dizem que vão mudar o mundo e, por trás delas, poluem, destroem, exploram, enganam; Nem com administradores públicos que adotam políticas higienistas para expulsar os rotos e remendados das ruas das cidades; Nem com aqueles que consideram uma aberração um casal do mesmo sexo adotar uma menininha linda; Nem em quem bate em mulher porque acha que é homem.

 

O que me irrita, de verdade, e me tira do sério, são esses impostos altos que machucam os nossos sonhos de consumo.

 

PS: A nossa classe média é ridícula!

Publicado originalmente em http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/

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