Curiosa, adentrei uma loja de cd e um senhor – vendedor ou dono, não sei – sorriu para mim, cúmplice, como se me (re)conhecesse, e colocou um cd de Clara Nunes. Sorri e nem quis mais sair dali, cantarolando que estava para os Orixás.
Essas cenas singelas e inesperadas acontecem e passam a habitar a nossa memória, risonhas, lépidas… Até porque eu estava em Sampa, na Augusta, curtindo o vaguear das horas de ócio. Não era o cenário do Rio de Janeiro, mas o de uma verticalização radical, o de uma rua viva, ágil, marcada pela beleza das mulheres que transitavam. Muitas mulheres, lindas, altivas, ousadas… Muitos casais gays de mãos dadas, um contraponto colorido à violência desmedida da homofobia na Paulista. Tatuagens, piercings e alargadores de vários tipos e tamanhos.
Soa contraditório curtir o ócio em São Paulo, mais ainda ouvir samba de terreiro em uma loja comum, mediana e sem o charme dos sebos. Sei que lá acabei comprando um cd da Joyce, o que me devolveu àquelas canções que eu amava e tinha perdido, àqueles arranjos bem desenhados e àquele violão tão singular. Ela, que foi desacreditada pela crítica machista no início de carreira: Como pode tocar violão assim feito homem? Como pode compor assim? Essa música é sua mesmo? Ela, que detesta os exageros dos vibratos e sabe, como poucas, fechar o fraseado melódico. Ela, que é tão única, voltou aqui para o meu som, para minha (c)asa, graças às horas de descanso na Augusta. Nesse pequeno quarteirão – trajeto de sereias solitárias; de almofadinhas; como também do travesti afrancesado, cantando suas nostalgias com as brancas e longas pernas de fora; da negra de seios fartos, riso contido e seus dendês; e de uma moçada lúdica, heterogênea e bonita – reencontrei Minha gata Rita Lee…
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Quando você chegou lá em casa, foi coisa tão inesperada
Ali na porta abandonada a me pedir casa e comida
Magrinha, magrinha, arrepiada, com pelos vermelhos, olhos de fome
Eu não podia mesmo te dar outro nome, Rita Lee
Ah, Rita Lee, por onde é que anda Rita Lee?
Sem pai nem mãe, sem pedigree, imprevisível Rita Lee
Ah, Rita Lee, por onde é que anda Rita Lee?
Sem pai nem mãe, sem pedigree, irresistível Rita Lee
Então você foi adotada por todos nós alegremente
Oscar morava já com a gente e era igualmente um vira-lata
E apesar de serem cão e gata jamais houve dois mais companheiros
Jamais dois amigos assim verdadeiros, nunca vi
Passava o tempo descuidada, sempre inventando brincadeiras
Saltos mortais de mil maneiras, deixando a gente distraída
E assim ninguém viu sua saída, talvez só o Oscar tenha notado
E a noite engoliu as tuas sete vidas, Rita Lee