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Em fins de tarde, os flamingos cruzavam o céu. Minha mãe ficava calada, contemplando o voo. Enquanto não se extinguissem os longos pássaros, ela não pronunciava palavra. Nem eu me podia mexer. Tudo, nesse momento, era sagrado. Já no desfalecer da luz, minha mãe entoava, quase em surdina, uma canção que ela tirava de seu invento. Para ela, os flamingos eram eles que empurravam o sol para que o dia chegasse do outro lado do mundo.
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(Mia Couto. Trecho do romance O Último voo do flamingo. Lisboa: Editorial Caminho, 2000, p. 49)