Uns nasceram para cantar, outros para dançar,
outros nasceram simplesmente para serem outros.
Eu nasci para estar calado. Minha única vocação é o silêncio.
Foi meu pai que me explicou: tenho inclinação para não
falar, um talento para apurar silêncios.
Escrevo bem, silêncios, no plural.
Sim, porque não há um único
silêncio. E todo o silêncio é música em estado de gravidez.
Quando me viam, parado e recatado, no meu invisível recanto,
eu não estava pasmado. Estava
desempenhado, de alma e corpo ocupados:
tecia os delicados fios com que se fabrica a quietude.
Eu era um afinador de silêncios.
–
(Mia Couto Antes de nascer o mundo.)