Pontual e precisa

(com a deliciosa polissemia que o termo carrega),

a poesia de Rui Knopfli:

 

Amputação

Algo, em mim, está morto.

O lado direito inerte, ausente

de mim está alheio.

Do lado esquerdo

o fito,

como se a um outro olhasse.

Metade de mim  persiste,

vive

e contempla algo, ardendo,

estiolando,

que em mim está morto.

Um perfil que apodrece

e eu vivendo

e vendo ausentar-se de mim

algo que em mim está morto

definitivamente.

No escuro cerne da floresta,

com sorrisos dependurados à entrada,

degola-se uma ave.

Por enquanto mais nada, senão

o torvo tinir dos talheres

no banquete da morte impossível.

Trecho de Lírica para uma ave.

Ginástica Aplicada

 –

Meu verso cínico é minha terapêutica

e minha ginástica. Nele me penduro

e ergo, em sua precisão de barra fixa.

Nele me exercito em pino flexível,

sílaba a sílaba, movimento controlado

de pulso, e me volteio aparatoso

na pirueta lograda, no lance ritmado.

 –

Há um sorriso discreto em minha segurança.

 –

Porém, se às vezes me estatelo, folha seca

(o verso é difícil e escorregadio), meu verso,

como de vós, ri-se de mim em ar de troça.

Não entro em forma, não acerto o passo,

não submeto a dureza agreste do que escrevo

ao sabor da maioria.

Trecho de Cântico Negro, em diálogo com o poeta José Régio.

Antologia Poética , organizada por Eugênio Lisboa, Editora UFMG, 2010.

Livro para carregar na bolsa, pra deixar pertinho da cama,

pra caminhar com a gente debaixo da chuva fina, 17 graus em Belo Horizonte.

Os sujeitos do poema são de uma sinceridade rascante; a edição, a versificação e estrofação, bem como os desfechos, revelam a artesania e a consciência lírica do autor.                   

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

%d blogueiros gostam disto: