Exemplo
Um vendaval
despojou todas as folhas das árvores ontem à noite
com a excepção de uma folha
deixada
a baloiçar sozinha num ramo nu.
Com este exemplo
a Violência demonstra
que sim, senhor –
gosta da sua piadinha de vez em quando.
Elogio dos sonhos
–
Nos sonhos
eu pinto como Vermeer van Delft.
–
Falo grego fluente
e não só com os vivos.
–
Dirijo um carro
que me obedece.
–
Tenho talento,
escrevo grandes poemas.
–
Escuto vozes
não menos que os mais veneráveis santos.
–
Vocês se espantariam
com minha performance ao piano.
–
Flutuo no ar como se deve
isto é, sozinha.
–
Ao cair do telhado
desço de manso na relva.
–
Respiro sem problema
debaixo d’água.
–
Não reclamo:
consegui descobrir a Atlântida.
–
Fico feliz de sempre poder acordar
pouco antes de morrer.
–
Assim que começa a guerra
me viro do melhor lado.
–
Sou, mas não tenho que ser
filha da minha época.
–
Faz alguns anos
vi dois sóis.
–
E anteontem um pinguim.
Com toda a clareza.
–
SZYMBORSKA, Wisława. Poemas. Trad. de Regina Przybycien. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
quanta delicadeza!