Eu não preciso escrever muito, as canções já dizem…

Vou apenas, como ouvinte atenta de Caetano Veloso, desde menina, linkar alguns temas, cenas, críticas…

Antes, duas observações:

Morro de preguiça daqueles que se (pre)ocupam mais com a celebridade do que com a obra… Há também os que não conhecem nada de nada, reproduzem, tropeçando nos versos, a canção Sozinho, de Peninha, e querem analisar Caetano…um vazio!!!

Achei um caderninho daqueles de garota, letra redondinha, com um glossário-Caê. Bacana demais! Não me  lembrava mais dessas anotações, eu devia ter uns 11 anos e queria avidamente compreender as canções…

Enquanto os homens exercem/Seus podres poderes/Motos e fuscas avançam/Os sinais vermelhos/E perdem os verdes/Somos uns boçais... (Podres Poderes)

e

Baiano burro nasce, cresce e nunca pára no sinal/E quem pára e espera o verde/É que é chamado de boçal (“Vamo” Comer)

e

Tem um Gol que ela mesma comprou/Com o dinheiro que juntou/Ensinando português no Central/Salvador, isso é só Salvador/Sua suja Salvador/E ela nunca furou um sinal/Isso é legal… (Neide Candolina)

O que incomoda o poeta

E a cidade, a baía da cidade//A porcaria da cidade/Tem que reverter o quadro atual/Pra lhe ser igual (Neide Candolina)

e

E o cano da pistola/Que as crianças mordem/Reflete todas as cores/Da paisagem da cidade/Que é muito mais bonita/E muito mais intensa/Do que no cartão postal.  (Fora da Ordem)

e

O furto, o estupro, o rapto pútrido/O fétido seqüestro/O adjetivo esdrúxulo em U/Onde o cujo faz a curva/(O cu do mundo, esse nosso sítio) (O cu do mundo)

Cutucadas certeiras

O padre na televisão/Diz que é contra a legalização do aborto/E a favor da pena de morte/Eu disse: não! que pensamento torto! (“Vamo” Comer)

e

Veados americanos trazem o vírus da AIDS/Para o Rio no carnaval/Veados organizados de São Francisco conseguem/Controlar a propagação do mal/Só um genocida potencial/- de batina, de gravata ou de avental -/Pode fingir que não vê que os veados/- tendo sido o grupo-vítima preferencial -/Estão na situação de liderar o movimento/Para deter a disseminação do HIV. (Americanos)

e

Será que nunca faremos/Senão confirmar/A incompetência/Da América católica/Que sempre precisará/De ridículos tiranos/(…)/ Ou então cada paisano/E cada capataz/Com sua burrice fará/Jorrar sangue demais/Nos pantanais, nas cidades/Caatingas e nos gerais. (Podres Poderes)

e

E na TV se você vir um deputado em pânico mal dissimulado/Diante de qualquer, mas qualquer mesmo, qualquer, qualquer/Plano de educação que pareça fácil/Que pareça fácil e rápido/E vá representar uma ameaça de democratização/Do ensino do primeiro grau/E se esse mesmo deputado defender a adoção da pena capital/E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto/E nenhum no marginal/E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual/Notar um homem mijando na esquina da rua sobre um saco/Brilhante de lixo do Leblon/E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo/Diante da chacina//(…)/ E quando você for dar uma volta no Caribe/E quando for trepar sem camisinha/E apresentar sua participação/inteligente no bloqueio a Cuba/Pense no Haiti, reze pelo Haiti… (Haiti)

e

Purificar o Subaé/Mandar os malditos embora/Dona d’água doce quem é?/Dourada rainha senhora/Amparo do Sergimirim/Rosário dos filtros da aquária/Dos rios que deságuam em mim/Nascente primária/Os riscos que corre essa gente morena/O horror de um progresso vazio/Matando os mariscos e os peixes do rio/Enchendo o meu canto/De raiva e de pena. (Purificar o Subaé)

e

Depois de exterminada a última nação indígena/E o espírito dos pássaros das fontes de água límpida/Mais avançado que a mais avançada das mais avançadas das tecnologias/(…)/ E aquilo que nesse momento se revelará aos povos/Surpreenderá a todos, não por ser exótico/Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto/Quando terá sido o óbvio. (Um índio)

e

O fato dos americanos/Desrespeitarem/Os direitos humanos/Em solo cubano/É por demais forte/Simbolicamente/Para eu não me abalar// A Base de Guantánamo. (Base de Guantánamo)

Totalmente terceiro sexo

Rompe a manhã da luz em fúria a arder/Dou gargalhada, dou dentada na maça da luxúria/Pra quê?/Se ninguém tem dó, ninguém entende nada/O grande escândalo sou eu aqui, só. (Escândalo, canção feita pra Ângela Rô Rô)

e

O amor me pegou/E eu não descanso enquanto não pegar/Aquela criatura/Saio na noite à procura/O batidão do meu coração/Na pista escura (Gatas Extraordinárias, canção feita para Cássia Eller)

e

 (…) retribuo a piscadela/Do garoto de frete/Do Trianon/Eu sei o que é bom… (Fora da Ordem)

e

Menino do Rio/Calor que provoca arrepio/Toma esta canção/Como um beijo.  (Menino do Rio)

O piano de Mauro Continentino baila e nos tira, suave, da previsibilidade chata dos modismos. Nas terminações vocais,  a Janaína Assis parece nos contar um segredo, não há firulas ou vibratos insuportáveis –  como tanto gostam as cantoras da mídia. É como se fôssemos incluídos, somos também calor e arrepio, um flerte…

E aí a canção acontece.

One Response to

  1. Modesta disse:

    que voz deliciosa de se ouvir… é sempre uma surpresa e uma encantamento essa doçura na medida certa.
    bjs

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