Apesar de achar o rito interessante, por sua capacidade de recuperar e reatualizar o tempo e de nos devolver à ideia de sagrado, bem como de nos incitar à reflexão, os discursos e práticas religiosas me incomodam a ponto de eu não encontrar na simbologia da Páscoa uma contemporaneidade afetiva e substancial. Não apenas pelos desvarios consumistas que fazem dos ovos de chocolate a única possibilidade de confraternização, mas pela realidade contundente dos fatos.
Defender a prática da pedofilia; acusar e envergonhar as vítimas; oprimir os pensadores e opositores; condenar o uso da camisinha, a legalização do aborto e do casamento entre homossexuais são condutas rotineiras da igreja católica – alicerçada em escândalos abafados e numa história sangrenta.¹
O cardeal Alfredo Ottaviani, segundo a CBS, redigiu um documento, em 1962, afirmando que seria expulsa da igreja qualquer pessoa que falasse dos diversos casos de abuso sexual cometidos por sacerdotes. Em 2003, Jacques Daheron foi condenado, na França, a 6 anos de prisão por violar e agredir 3 jovens. Dom Luciano, bom cristão italiano, pagou garotos de 15 anos por serviços sexuais, os mais diversos – ele é muito criativo! Padres irlandeses não ficam atrás. Os de Boston, apesar de pedófilos compulsivos, pregam, em liberdade, a moral e o bem comum. O reitor alemão do respeitável colégio jesuíta Canisius admitiu que muitos alunos sofreram abusos sexuais nas décadas de 70 e 80. Não diferente dos meninos cantores de Regensburg, coro dirigido até 1993 por Georg Ratzinger, irmão de Bento 16 – um papa de olhar frio e rude sobre um mundo desprotegido, faminto e em constantes conflitos. Além de ter sido uma espécie de inquisidor do brilhante Leonardo Boff, o papa vocifera contra o uso da camisinha, é condescendente com os crimes dos sacerdotes e não se solidariza com as vítimas. Há no vaticano até quem negue o holocausto!!!
No Brasil, há uma pequenina igreja progressista, que faz um trabalho efetivo, íntegro e fundamental, contra uma esmagadora maioria retrógrada, com seus bancos de dízimos, os supermercados da fé.² Quando não padres pops – cantores mercantis que sequer se envergonham de parcerias duvidosas, como a feita com o traficante Belo – , padres corruptos e coniventes com a violência. Um bom exemplo é o arcebispo de Olinda, Dom José Cardoso Sobrinho, que condenou os médicos por fazerem o aborto de gêmeos que salvaria a vida de uma garota de 9 anos, violentada pelo padrasto. Não contente, excomungou a mãe da menina e abençoou o estuprador.
Sob a alegação de salvar vidas, a prática do aborto e as pesquisas com células-tronco são rechaçadas. Curiosa alegação da responsável por queimar viva a santa Joana D’arc, entre tantas mulheres medievalmente denominadas bruxas, e perseguir tanto Galileu quanto outros importantes pensadores.
Estranha instituição que não zela pelos miseráveis – simplesmente 1/3 da humanidade –, que não se moderniza, que não aceita a comprovada contribuição social das mulheres, que demora séculos para pedir perdão aos índios – vítimas de um genocídio catequizador – que condena o prazer e o amor, que insiste no tabu da virgindade, que transforma a fé em medo. Estranha e absurdamente distante da figura humilde e singela de Jesus.
No vazio desse domingo chuvoso, a dúvida ecoa e incomoda: o que comemoraríamos?
¹Isso sem me referir aos escândalos de outras instituições religiosas, como a Universal e Renascer, motes para um próximo texto.
²JABOR, Arnaldo. Artigo sobre o arcebispo de Olinda, veiculado no Jornal Globo.
Rena,
Concordo plenamente!
Ninguém fala.
É foda.
Muito bom!! E o Triste é que as pessoas continuam a adorar propagar o nome ‘papa’ (pai), o que pra mim não passa de um velho babão representando uma das mais fortes instituições do capitalismo…. a igreja!
Que bacana que dedicou um pouco de seu tempo para navegar aqui.
Sua leitura é muito preciosa pra mim.
Beijos
Renata,
Parabéns pelo trabalho e pelos belos textos. Compartilho de suas ideias em relação ao papel da igreja na sociedade contemporânea. vejo a religião como um contra-senso, apesar de aliviar as almas incute nas pessoas valores que renegam o sentido de ser humano.
Continue com esse belo trabalho de opinião e crítica contundentes porém coerentes.
Um abraço,
Renato Pequeno